sábado, 15 de dezembro de 2012

Todos estão dormindo em Gothan City

"Lá no alto mar a tempestade desabou
Entre raios e trovões o nosso sonho afundou
E nada mais restou, além daquele desejo insano
De com apenas nossos braços cruzar o oceano
Cada um por si, fique preparado
Estamos tão famintos e boiamos esgotados
Mas quase afogando, o desejo não termina
Pois navegar a esmo, talvez seja a nossa sina."
Marcelo Nova

Sócrates, Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Descartes, Kant, Nietzsche, Sartre, Baixaria, Jesus (este último não é aquele de Nazaré, mas de Farroupilha), entre outros filósofos da nossa peculiar espécie, sempre se depararam e tentaram responder alguns questionamentos simples, mas que nos instigam desde que nosso cérebro ficou maior do que deveria. O que posso saber? O que devo saber? O que é real? E se nossa vida fosse uma farsa? Como seria nossa reação ao descobrirmos que sempre vivemos em uma mentira? Aprofundando um pouco mais: se for uma farsa, o que há de errado nisso, se ela for boa? Essas e outras questões mais não cansam de nos atazanar.

Há quem presuma como verdadeira uma teoria específica da mente amplamente conhecida como materialismo redutivo: a visão de que os estados mentais podem ser reduzidos a estados físicos. Em resumo, se definimos que real é tudo que pode ser cheirado, tocado, provado e visto, então real é simplesmente um sinal elétrico interpretado por nosso cérebro. A maioria das pessoas normais (quero dizer, não historiadores nem filósofos) tendem a concordar com isso. Permita-me viajar um pouco mais...

Ainda não tenho certeza de que meus sentidos não estão me enganado. O que garante que eu, nesse exato momento, estou sentado numa cadeira de praia escrevendo esse texto e vendo meu cachorro dormir? Meu tato? Minha visão? Minha audição? Talvez. Aliás, é bem provável que tudo isso seja real mesmo. Apesar de não ter, assim como muitos, a certeza absoluta de que isso tudo é verdadeiro, tento ter a mesma fé do Silvio Santos: se eu vejo, acredito.

Iria ficar profundamente decepcionado se descobrisse que o show do Marceleza, que tive o privilégio de assistir ontem à noite, não foi real. Acho até que não suportaria essa notícia. Algo tão intenso não pode ser meramente uma ilusão programada por um computador. Nossos cérebros não podem estar boiando em uma piscina de material tóxico, onde algo os estimula a permanecerem ativos, sabe-se lá por que motivo. Não, não. Isso não pode ser mais real do que aquele show. É muita loucura. Nem vem...

Por outro lado, são inacreditavelmente surreais algumas sensações que nosso corpo nos proporciona em certas ocasiões. Não falo em específico da minha experiência recente, mas de outras situações também. Como descrever tamanho estado de êxtase? Será que esse estado nos é proporcionado único e simplesmente pelo estímulo de nossos sentidos? Tenho a impressão que, se nossos sentidos às vezes falham pra pior, nesses momentos eles superdimensionam nosso prazer. E isto não precisa ser real.

Aí está o sentido da vida...

(esse texto é contra-indicado em caso de suspeita de dengue.)



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A vida e o homem


Medíocre são as recordações
Presentes da idade
Extrato da destilação do tempo
Que feito faca, corta
Penetra cada centímetro de segundos
Assim devasta a vida
Provoca dor e nos presenteia a cicatriz, que é um epitáfio
Lembranças, mediocridades
Migalhas da vida.

Se a vida é um pão de trigo
Se é o alimento do banquete sagrado
A nós sobrou apenas o rastro do tempo
Migalhas, ainda que se comam todas
Pois não se come a vida inteira
A qual é cuspida no parto
E se espalha feito bolhas de sabão
Divide-se e é sentida a tics e tacs
Letras, segundos, notas, unidades.

Ah! Vida, como és sem graça
E a overdose mata
Só nos sobra à verdade
O pão inteiro
Que não se dá em migalhas
A verdade, tudo e nada mais
Presente de Deus
Sovado pelo homem. 

Deus duplo


Que Deus duplo nos pôs na alma sensível
Ao mesmo tempo os dons de conhecer
Que o mal é a norma, o natural possível,
E de querer o bem, inútil nível,
Que nunca assenta regular no ser?

Com que fria esquadria e vão compasso
Que invisível Geómetra regrou
As marés deste mar de mau sargaço 
O mundo fluido, com seu tempo e espaço,
Que ele mesmo não sabe quem criou?

Mas, seja como for, nesta descida
De Deus ao ser, o mal teve alma e azo;
E o Bem, justiça espiritual da vida,
É perdida palavra, substituída
Por bens obscuros, fórmulas do acaso.

Que plano extinto, antes de conseguido,
Ficou só mundo, norma e desmazelo?
Mundo imperfeito, porque foi erguido?
Como acabá-lo, templo inconcluído,
Se nos falta o segredo com que erguê-lo?

O mundo é Deus que é morto, e a alma aquele
Que, esse Deus exumado, reflectiu
A morte e a exumação que houveram dele.
Mas está perdido o selo com que sele
Seu pacto com o vivo que caiu.

Por isso, em sombra e natural desgraça,
Tem que buscar aquilo que perdeu 
Não ela, mas a morte que a repassa,
E vem achar no Verbo a fé e a graça 
A nova vida do que já morreu.

Porque o Verbo é quem Deus era primeiro,
Antes que a morte, que o tornou o mundo,
Corrompesse de mal o mundo inteiro:
E assim no Verbo, que é o Deus terceiro,
A alma volve ao Bem que é o seu fundo.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Desencanto


Enquanto o encanto desencanta
A flor murcha sem parecer sentir dor
Flagelada ao cair da planta
Não ouço seu grito
Não vejo sua cor

Enquanto o encanto desencanta
castelos encantados criados vão ao chão
Promessas já não mais acredito
Sonhos sonhados em vão

Desencanto de quem quis tornar real o irreal
de quem ousou acreditar que
poderia com o amor mundo mudar

Depois do desencanto
nada mais será como antes
Por que fui acreditar?
Por que me deixei enganar?
Depois do desencanto
não há como te reinventar.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Essas mulheres...


                "O verdadeiro homem quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso quer a mulher: o jogo mais perigoso."
Friedrich Nietzsche

Muitas crenças que existem, ou que já existiram, colocam a mulher sempre em segundo plano, sempre a tratando como um objeto de posse ou sendo a responsável pelos nossos problemas. A origem disso não está tão distante da nossa capacidade de raciocínio (eu acho). Utilizar-me-ei de algumas dessas crenças, que se apresentam em forma de histórias/contos/mitos/lendas (chame como julgar mais apropriado), pois acredito que estas contribuirão nessa pequenina reflexão. Vamos pensar um pouco.

As Eras do homem são descritas por Hesíodo, em sua obra Os Trabalhos e os Dias. Segundo ele, a raça humana, depois de criada, teria passado por cinco eras ou idades. A primeira, chamada Era de Ouro, ocorreu durante o governo de Cronos (divindade suprema da segunda geração dos deuses gregos). A paz e a harmonia predominaram durante esta era, onde os humanos não envelheciam e morriam pacificamente. A primavera era eterna e os homens eram alimentados com bolotas de um grande carvalho, com frutas silvestres e mel que gotejava das árvores. E por aí vai...

O acontecimento que marca o final dessa era é a famosa lenda da Caixa de Pandora. Tudo começou quando Prometeu (Titã defensor da humanidade) entrou escondido na casa de Zeus para pegar o fogo, que anteriormente havia sido retirado dos homens. Ao ficar sabendo da heresia de Prometeu, Zeus deixou-o amarrado em uma rocha durante toda a eternidade enquanto uma grande águia comia, durante todo o dia, o seu fígado - que crescia novamente no dia seguinte (isso é o que chamo de castigo). Mas não foi só isso. O pior ainda estaria por vir.

Em seu maior momento de fúria, Zeus decide criar a pior punição de todas para o homem: a mulher (um fato comprovado cientificamente nos dias de hoje. Ok, brincadeira, vamos voltar à história). Não bastando isso tudo, o sacana de Zeus ainda coloca uma caixa nas mãos da sua mais nova criação dizendo: “Não abra!” Olha que sacanagem! Imagina você passar toda sua vida segurando uma maldita caixa sem poder abrir! O que aconteceu no final da história? Óbvio, Pandora abriu a porcaria da caixa e de lá surgiram todos os males da humanidade.

Com o cristianismo, também não foi diferente. A mulher caiu facilmente no conto da cobra, ao provar o fruto que foi proibido pessoalmente por Deus. De todo Éden, a única coisa que ela não podia provar era aquela maldita maçã. O que ela faz? Come a maçã. Não bastando, convence o homem a experimentar, levando-o junto para a perdição. Ou seja, a mulher é responsável por estragar os planos de Deus; pelos sofrimentos que temos nessa vida, devido às punições de Deus ao expulsá-los do paraíso; e ao fato de já nascermos pecadores, e termos que batalhar muito nessa vida para encontrarmos a salvação, a qual não somos mais dignos.

A mitologia que envolve o velho testamento, em especial a história do paraíso, coloca a mulher que nada é senão a ponte entre três figuras masculinas: Deus, o diabo e o homem. A “árvore do conhecimento” é proibida aos mortais, pois o conhecimento, sabemos, é divino. Mas Eva nunca acreditou nisso. Jamais levou Deus a sério. Não foi difícil para o demônio, em forma de serpente, conquistá-la para tentar comer o fruto que identificava a única proibição do Jardim do Éden.

Pelos exemplos acima (poderia citar vários outros, mas o intuito é sempre escrever pouco, tendo em vista que geralmente os leitores preferem textos mais curtos, pelo menos é o meu caso), podemos notar que o comportamento humano (ethos) tem uma influência bastante considerável das religiões e crenças em geral. Estando a submissão da mulher embrenhada nelas, não é difícil entender uma sociedade machista como a nossa e é quase impossível imaginar uma mudança nesse aspecto, tendo em vista que é quase impossível imaginar uma sociedade sem religião.

Há quem diga também (meu orientador, por exemplo) que o mito não é a origem de uma sociedade machista, mas só o reflexo dela. Ou seja, o mito sempre é posterior, vem depois que as coisas já estão andando. A questão do machismo, mesmo na natureza, seria uma questão física mesmo. O macho geralmente é mais forte que a fêmea. Portanto, machismo é resultado disso, do macho humano ser fisicamente mais forte. Evoluímos dos primatas, aprendemos etiqueta, a vestir-se corretamente, porém os traços do "mais forte manda" permanecem de algumas formas.

Por fim: qual a conclusão que podemos chegar analisando isso tudo? Cada um que tire a sua. Comente essa postagem de maneira anárquico-democrática que tudo estará bem...

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O caminho da vida


“Vou te encontrar vestida de cetim/Pois em qualquer lugar esperas só por mim/E no teu beijo provar o gosto estranho/Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar/Vem, mas demore a chegar/Eu te detesto e amo morte/Que talvez seja o segredo desta vida.”
Raul Seixas

Morte. Quantos mistérios permeiam este inevitável acontecimento. Quantas pessoas ficam confusas e temerosas ao pensarem que dela ninguém pode escapar. Para alguns, o fim de tudo. Para outros, apenas o começo. Há também aqueles que a colocam nas mãos do destino, relacionando-a a uma ordem cósmica, onde nada nem ninguém podem alterá-la. “Morrer! Vira essa boca pra lá!”, dizem os mais medrosos.“Eu não tenho medo da morte”, professam os corajosos. Passagem para o além? Passagem pra lugar nenhum? Vai saber...

Segundo a mitologia grega (outra vez flores?), Tanatos é a personificação da morte. Inimigo do gênero humano, odioso mesmo aos deuses, Tanatos morava no Tártaro (espécie de terceiro andar, de cima pra baixo, em relação à Terra) e teria coração de ferro e entranhas de bronze. Os gregos representavam-no com o rosto desfeito e emagrecido, coberto por um véu, os olhos fechados e com uma foice na mão. Em Roma, Tanatos era chamado de Orco (daí a expressão “Orco Cane”), sendo provável que encarnasse a divindade infernal que castigava os perjuros, ou até mesmo que fosse uma primitiva divindade romana identificada mais tarde como Plutão. Era uma espécie de anjo da morte que assassinava os moribundos, supondo-se que o dia do seu aniversário, o quinto de cada mês, fosse infausto.

Ainda no campo mitológico (volta o cão arrependido...), o Destino é uma divindade cega, inexorável, filha da Noite (Nix) e do Caos. Os céus, a terra, o mar, os infernos, tudo fazia parte do seu império. Destino era por si mesmo a personificação da fatalidade, segundo a qual tudo acontecia no mundo. Todas as outras divindades estavam submetidas ao seu poder. Nem mesmo Zeus, o mais poderoso dos deuses, pôde aplacar Destino, nem a favor dos outros deuses, nem a favor dos homens. O que Destino resolvia, era irrevogável.

Acredito que muitos dos nossos temores em relação à morte podem ter relação muito próxima às divindades citadas acima, especialmente ao Destino. Ainda hoje há quem acredite que ele é que nos guia para tudo (lavar a louça, comer polenta, essas coisas...). Porém, se jogarmos nossas fichas no Destino, penso que é uma má escolha (só uma opinião). Sendo ele uma divindade cega, só mesmo nós, humanos ultra evoluídos, para confiar ao Destino tudo que se passa por aqui. Colocar em um ser sem glóbulos oculares a responsabilidade de decidir quando devemos atravessar o caminho da vida para a morte é, no mínimo, desinteligência. Para aqueles que, ainda assim, mantém sua fé e continuam sendo seus fiéis seguidores, recomendo canalizar uma parte de suas orações a ele, Destino, pois Zeus já deixou bem claro que nos assuntos do “inexorável imperador”, ele não mete a colher.

E quanto a Tanatos? Estamos preparados para sua chegada? Estamos prontos para o seu golpe derradeiro? Eu diria que não estamos preparados nem para viver... Contudo, acho que para a morte o preparo não é necessário. Essa é uma questão irrelevante. Para os temerosos, deixo aqui minha receita para afastar este medo: morra sem ter tempo para pensar no assunto. Exatamente o contrário do que estamos fazendo agora. Quer trocar de assunto?

De consolo, fiquemos com algumas palavras de Freud, dias antes de partir: “Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos em vida.” Nada mal.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

Deus e o diabo na terra do Rock


"A Lei do Inferno diz que o Inferno é exclusivamente reservado para aqueles que acreditam nele. Mais adiante, o mais profundo Círculo do Inferno é reservado àqueles que acreditam nele na suposição que eles irão para lá se não acreditarem."
Malaclypse, o Mais Jovem


Antes de mais nada, gostaria de fazer um esclarecimento a respeito do meu recém-nascido (mas ainda não batizado) blogue. Antes de ser crucificado, desejo que atentem para a episteme do vocábulo: “anarquismo” (do grego ἀναρχος) significa "sem governantes". Na definição do nosso conhecido dicionário, “anarquia é uma filosofia política que engloba teorias, métodos e ações que objetivam a eliminação total de todas as formas de governo compulsório. De um modo geral, anarquistas são contra qualquer tipo de ordem hierárquica que não seja livremente aceita e, assim, preconizam os tipos de organizações libertárias baseadas na livre associação”. Portanto, para os desinformados, anarquia significa ausência de coerção e não a ausência de ordem (bem que poderia ser os dois...). Agora sim, podem continuar.

***

Desde que esse ritmo estranho chamado rock and roll começou a fazer mais sucesso do que deveria, problemas diversos surgiram em relação a seu respeito. Vamos a um exemplo. Tem sempre aquele ser humano esclarecido que tende a associá-lo ao diabo. Ou porco sujo. Ou anjo caído. Demônio, satanás, rabudo, cão-tinhoso, lúcifer... (se quiseres mais sinônimos, leia a bíblia). Seus argumentos, por sinal, são bem plausíveis. Alguns dizem: “o rock de uma maneira geral prega a rebeldia contra os costumes pregados e ataca o sistema vigente, incluindo a religião”. Outros afirmam: “o rock prega o hedonismo, o gozo máximo dos prazeres terrenos, o que é contrario a pregação das igrejas cristãs”; Há quem diga também: “o rock prega o individualismo. A vontade própria acima da vontade da maioria”. Que coisa...

Com relação ao individualismo, este é um ponto fundamental das seitas satanistas (e capitalistas), sendo inclusive o resumo do pensamento do mago, hedonista, crítico social e usuário recreacional de drogas Aleister Crowley: "Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei". (tudo está fazendo sentido agora, não?). Porém, em sua célebre obra O Livro da Lei, Mr. Crowley nos mostra, entre outras coisas, que a liberdade por si só não funciona. Deve sim estar intimamente ligada ao conhecimento: “O tolo bebe, e se embebeda; o covarde não bebe; o homem sábio, bravo e livre, bebe, e dá glórias ao Mais Alto Deus” (neste caso, o homem sábio é o padre! Sempre soube disso...). Ora pois: será mesmo que Aleister Crowley faz parte da bibliografia básica do curso de teologia? Ou será que os rockeiros estão a serviço de instituições religiosas e não sabem? Minha professora diria que isso daria uma boa dissertação de mestrado.

Vivemos em uma época em que muitas religiões e seus líderes estão permitindo que o rock entre nas igrejas (vejam só), afirmando que ele está santificado pois as letras foram modificadas e incluem palavras religiosas. Contudo, dizem os mais conservadores que o simples fato de essa música “demoníaca” ter entrado na igreja é prova do declínio moral e espiritual que está afetando as igrejas atualmente. Há grupos religiosos que atribuem ao diabo um “talento musical excepcional” e afirmam que ele o usa para enganar e escravizar. Das duas uma: ou Deus é mesmo muito indeciso em seus ensinamentos, ou nós que não entendemos direito.

O problema desse “não entendimento” é que  cada vez nascem mais profetas com sua própria lei, com sua própria verdade, com seu próprio conceito de certo e errado, com sua própria interpretação com o possível ensinamento do Todo-Poderoso. A conseqüência disso é a desunião dos povos, cada vez mais e mais (algo bem visível hoje), cada um achando que está com a razão, necessitando converter o outro por meios pacíficos, ou não. O fato é que uma música que fala sobre satanismo (como a de algumas famosas bandas de rock) pode ser apenas uma expressão artística, como um filme de terror ou uma pintura de Debret. Mais ainda: essa canção não necessariamente precisa ser um rock. Quem sabe um samba falando do demo ou um sertanejo universitário (esse sim é do mal por si só) não viria a calhar. A abordagem de temas que chocam a sociedade é simplesmente uma forma de rebeldia, nada mais.

Portanto, senhores, usem e abusem do rock and roll! Toquem em suas sinagogas, templos ou becos. Não importa onde nem quando. Louvem aos seus deuses, aos santos, aos anjos (inclusive o rebelde, aquele). Sem julgamentos morais, nem éticos, nem nada. Assim seja.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Texto Inaugural



"... vivemos atolados na lameira, e no mesmo lodo, todos manuseados."
Raul Seixas


Falta do que fazer. Essa é a resposta da pergunta que você, leitor, está se fazendo nesse momento, não? Ok. Pretensão minha achar que sei o que estás se perguntando (se é que estás se perguntando algo). Afinal de contas, não tenho nenhuma bola de cristal... Mas, se estiveres pensando: porque ele se presta a escrever? Respondo-te. Escrevo pois acho interessante a ideia. Pessoas sem ter o que fazer lendo um blogue sem ter nada pra dizer. Pelo menos para estas pessoas estou sendo útil (ou não). De qualquer forma, alegro-me pelo fato de tentar dizer alguma coisa sobre algum assunto que não necessariamente interessa.

Este blogue é anárquico, já vou avisando. Como Raulzito já sugeria “todo homem tem direito de matar a quem quiser...há de ser tudo da lei”. Que sonho! Fazer o que quiser, pensar o que quiser, amar a quem quiser. Viajar pelo mundo sem passaporte, afinal de contas, o planeta é nosso!  É preciso ser gênio chegar a essas conclusões tão simplórias? É. Afinal, temos muito que fazer e se preocupar, como o que vou vestir na próxima festa (lembrei que preciso de um tênis novo. Aliás, a chuva me lembrou) ou quem fica e quem sai d´A Fazenda. Não sobra tempo pra ser gênio. Impossível pensar em algo diferente do que está aí. É assim e pronto. Pois é...

Apesar de o nome Carona com Caronte sugerir uma relação com mitologia, talvez os textos futuros nada tenham a ver com a mesma. Pode ser que apareçam músicas, poesias, contos, análises críticas... Análises críticas não. Enfim, não se pode esperar muito de um blogue anárquico, portanto, não se decepcione. Apenas critique, se for o caso. Se não for, critique também. E viva a anarquia democrática!

***

Pagar por conveniência. Quantas vezes eu já fiz isso. Ainda faço. Pagamos plano de saúde, para não ser perturbado por uma dor de barriga; pagamos seguro do carro, para não se preocupar com possíveis ladrões; pagamos seguro de vida... Há quem financie seu próprio funeral! Pagamos seguro até pra viajar de ônibus (quem nunca ouviu a célebre frase: com seguro ou sem seguro?). Será que somos, de alguma maneira, influenciados a agir dessa forma? Talvez essa resposta esteja guardada nas profundezas de um rio, junto a uma velha balsa, que outrora pertenceu a um barqueiro muito esperto.

A mitologia grega nos conta que antes de chegar ao Hades (deus do “mundo inferior”), os mortos pegam a balsa de Caronte (o barqueiro do inferno) para atravessar o rio Aqueronte (das dores). Caronte transporta os heróis, as crianças, os ricos e os pobres para o Hades propriamente dito. Porém, Caronte cobra moedas para fazer a passagem (quem diria, já naqueles tempos isso era um negócio). Era costume grego colocar uma moeda, chamada óbolo, sob a língua do cadáver, para pagar Caronte pela viagem. Se a alma não pudesse pagar, ficaria forçadamente na margem do Aqueronte para toda a eternidade, e os gregos temiam que pudesse regressar para perturbar os vivos.

Isso me faz pensar no seguinte (ainda tenho tempo pra isso): será mesmo que esse barqueiro tenha existido? (isso explicaria muita coisa...) Se não, quem será o gênio que teve a incrível ideia de inventar tal ritual? Quão deveria ser a capacidade manipuladora dessa pessoa para fazer de um conto algo concreto? Ele pensava a frente de sua época? Ou mais ainda: será que esse cara é um ancestral do Raul Seixas?

A ideia da vida pós a morte sempre permeou a mentalidade da nossa espécie. Desde que começamos com a idéia de que somos “seres superiores” (e isso faz tempo), precisamos ter essa certeza que a morte não é o fim (há quem diga que é o começo!). Afinal de contas, que superioridade seria essa. Somos imortais! Seja pegando uma carona com o balseiro das trevas, seja nos enrolando em faixas, seja queimando vivo em uma fogueira (mesmo que contra a nossa vontade) sempre damos um jeitinho de salvar nossa alma pecadora. Ai eu me pergunto novamente: ninguém nunca pensou que viver eternamente seja entediante?

Se chegamos a um ponto evolutivo que nos permitiu escolher entre morrer, como qualquer outro ser vivo (mas inferior) e ser imortal, e escolhemos ser imortal, penso que ainda estamos longe do nosso “nirvana intelectual”. Portanto, todos seres vivos inferiores (inclusive amebas e samambaias) são na verdade, superiores a nós, Homo sapiens sapiens, pois ao contrário de nós, eles morrem!

Logicamente não existe nenhum tipo de cientificidade nessa teoria de superioridade. Contudo, espero que entendam novamente que um blogue anárquico não tem objetivo nenhum, a não ser perder tempo (o meu, escrevendo, e o seu, lendo). Mais do que simples respostas, Carona com Caronte se apresenta no intuito de fazer uma espécie de travessia entre dois mundos: passado e presente, loucura e lucidez, bem e mal, certo e errado, luz e trevas, e todas as infinitas dualidades que o senso comum insiste em perpetuar. É o desafio de escrever sem ter que pagar nada que me moverá. Até que algum dia eu, finalmente, chegue ao outro lado do rio (se o barco não afundar antes, logicamente).


Em breve, mais anarquia, mitologia e Raulzito. Ou não.