domingo, 28 de abril de 2013

O canto da filosofia é consonante à nossa existência? 2


A música de um grupo humano é a voz desse grupo e é esse próprio grupo”.
A. Schaeffner

Minha intenção não era me aprofundar em nenhum dos tópicos relacionados ao meu último texto, pois a maioria dos meus fiéis leitores é de origem simples e necessitam de uma abordagem mais rasa dos temas para uma melhor compreensão. Tampouco era meu objetivo esgotar as possibilidades de entendimento de uma singela metáfora que, a princípio, achei interessante, porém demasiada simplista. Visto que esse assunto rendeu uma repercussão jamais esperada por esse que vos escreve, resolvi contribuir ainda mais com as reflexões.

Mas primeiro, um pouco de história...

O grego Pitágoras, seis séculos antes de Cristo, conseguiu sistematizar estruturas musicais através da matemática, determinando medidas exatas para se afinar os instrumentos e organizar escalas musicais. Por isso, a Grécia antiga foi a mãe da teoria musical como conhecemos hoje. Lá foram desenvolvidas, a partir das sete notas naturais (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), diversas “escalas” ou modos musicais que receberam os nomes das regiões da Grécia onde eram mais familiares, por se adaptarem às suas tradições culturais e estéticas (Jônio, Dórico, Frígio, Lídio, Eólio). Cada uma destas escalas possuía um sabor harmônico diferente que evocava diferentes sensações em quem as escutava.

Mais tarde, durante a Idade Média, a liturgia católica, através do papa Gregório I, adaptou estas formas de estruração musical e estabeleceu sete modos musicais: Jônio, Dórico, Frígio, Lídio, Mixolídio, Eólio e Lócrio. Assim, a música litúrgica deste período usava modos específicos, de acordo com a sensação ou estado mental que se queria despertar nos fiéis em cada parte de uma cerimônia. Por isso, os modos são conhecidos também como modos gregorianos (em referência ao Papa Gregório I) e usados no chamado canto gregoriano. Na música moderna e contemporânea, os Modos Gregos, ou gregorianos, ainda são amplamente utilizados de uma forma mais livre, oferecendo várias possibilidades de criação melódica e harmônica para a composição e improvisação musicais.

Antes de mais nada, é de suma importância esclarecer uma questão muito importante da teoria musical, que vem a contribuir com as problemáticas de se comparar a teoria musical com a vida: a diferença entre música tonal e música modal.

Na música tonal, desenvolvida a partir do século XVI, existe uma espécie de lógica harmônica, onde a harmonia é pensada a partir de progressões de acordes que possuem funções estabelecidas: tônica, dominante e subdominante (primeiras impressões). É como se a música tivesse engrenagens em que um movimento gera outro movimento conseqüente. Já a música modal é um tipo de música de origem mais primitiva, em que a harmonia é pensada de forma mais livre ou mesmo aleatória (segundas impressões). A ênfase da música modal está nas melodias, rítimos e intensidades, e não na harmonia pensada de forma vertical, como blocos de notas formando acordes. Por isso, se o contexto é tonal, já pensamos logo em um campo harmônico com o qual a melodia estará intimamente relacionada, e se o contexto é modal, pensamos em criar atmosferas e melodias, sem a necessidade de ter progressões harmônicas dentro das funcionalidades tradicionais do tonalismo.

Concordando com a análise feita por Cedenir Haas a respeito da metáfora que tenta comparar a vida com a música (acesse aqui para ver o texto na íntegra), nota-se que ela se apresenta um tanto controversa. Não só pelo fato de que na vida nem sempre respeitamos as devidas consonâncias de um acorde ou de uma harmonia pré-estabelecida, por nem sabemos ao certo por onde trilhamos nosso caminho, mas também, sobretudo, porque sabemos que existem outros pontos de vista (culturas) que agem de acordo com seus próprios sistemas harmônicos.

Como já descrito acima, a metade ocidental do nosso grandioso planeta trabalha com escalas definidas como modos gregos. Em todos esses modos e suas variações, observa-se a ocorrência de, no máximo, 12 notas deferentes (as 7 naturais e mais 5 acidentes), o chamado sistema temperado, difundido pelo genialíssimo J. S. Bach. Analisando por esse aspecto, mesmo pressupondo que existam pessoas que vivam na liberdade de uma harmonia modal, onde experimentam novos caminhos melódicos (sem medo de ser feliz) em contraponto aquelas que compõem a melodia previsível e deprimente da harmonia tonal, ambas não se apresentam verdadeiramente livres, pois vivem presas a um sistema que até pode parecer universal, mas não o é. Quem poderia imaginar que no oriente, possam existir escalas de até 24 notas diferentes? Do ponto de vista do sistema musical árabe, por exemplo, a melodia é baseada na oitava dividida em 24 trimestre-tons, um sistema de difícil assimilação pelas nossas orelhas acostumadas a Luans Santanas e Michéis Telós.

Essas percepções de repouso, afastamento, aproximação e tensão que os teóricos definiram no sistema tonal ocidental são definitivamente uma questão cultural, logo, relativa. Se tocássemos uma canção qualquer que, aos nossos ouvidos, soa com uma intenção definida, para uma comunidade nativa ou de algum lugar muito longe, que de tão longe nem sabemos que exista, e que nunca teve contato com nossa cultura musical, provavelmente não terão a mesma sensação. E mais provável ainda que achem aquilo totalmente sem sentido. Diria que isso é uma questão cultural, antropológica e etnocêntrica.

Pois então quem somos? Onde estamos? Pra onde vamos? Quem faz a música? Onde está a nossa música? Para onde ela está nos levando? (eu não sei muito bem). Para finalizar o texto (mas não a reflexão), destaco algumas definições do conceito de música feitas por teóricos da área. Atentem a elas e escrevam suas impressões. Afinal de contas, música é vida? E vice-versa? Como essas frases poderiam ser readaptadas para o conceito vida?

Abraham Moles: “Música é uma reunião de sons que deve ser percebida como não sendo o resultado do acaso”.

Nicolas Ruwet: “A música é uma linguagem que significa a si mesma. Não veicula idéias, não define novos conceitos e é incapaz de ser analisada ou descrita.”

Roland de Candé: “Música é a comunicação de um agregado de sons organizados, agregado não significante, mas coletivamente interpretável”.

(Mas que texto sério...)

terça-feira, 16 de abril de 2013

O canto da filosofia é consonante à nossa existência?


Metáforas. Ótimo tema para começar um texto. Talvez seja a forma mais didáticas de explicar algo não muito a vista. Faz do abstrato concreto (mente vazia, mente sã). Enfim. Tudo fica fácil quando a vida é esmiuçada metaforicamente.

Era uma vez dois professores. Duas vidas sem sentido. Nada a ver com nada, viagem, sem noção. A manhã estava se findando. Já era quase duas da tarde. Porém ainda não tinham almoçado. Entre um cigarro e outro, muitos pensamentos transbordavam, como leite fervendo na caneca. A história começou assim…

Começo a falar sério.

Há quem compare nossa curta passagem pela vida com a teoria musical. Assim como toda música, há de ter um começo, meio e fim. Se não nascemos, logo não existe música. É no ato do nascimento que começa nossa melodia. 

A grande maioria das pessoas tende a nascer na levada da tônica de uma harmonia, ou seja, o acorde fundamental. No processo da nossa provável existência, a composição da melodia da vida passa por acordes, às vezes de distanciamento, às vezes de aproximação, ou ainda, sobretudo, de tensão. 

Se estamos vivos, a condição racional humana nos informa que vamos morrer. Assim sendo, boa parte da nossa vida tocamos o acorde dominante. Na teoria musical, o acorde dominante é o segundo mais importante da harmonia, só perdendo para a tônica que é, ao mesmo tempo, o acorde de partida e o de repouso. O acorde dominante é a própria racionalidade humana que sabe que morrerá um dia. Mas não sabe quando. Sua essência a trai. A sua consciência é de que está vivo, porém que se sabe mortal. E que findará. Passamos a vida esperando a morte, assim como na canção, o acorde dominante espera o repouso definitivo.

Às vezes a vida toca o acorde da incerteza: O que vamos chamar de momento subdominante. Esse é um período onde não sabemos qual é o rumo que nossa vida vai tomar a partir daí. É simplesmente uma espécie de distanciamento da melodia principal. Tanto podemos tomar o rumo da calmaria quanto do desassossego. Este último, explicarei agora.

Talvez os momentos mais difíceis da nossa existência tenham como fundo musical uma melodia que conversa com um acorde de tensão: o diminuto. São momentos onde parecem que o repouso definitivo nos chama, nos obriga a dar esse passo além. Mas assim como na música, esse desespero harmônico pode também caminhar para outra direção, por mais óbvio que pareça a primeira opção. Acabamos sempre dando um jeito de não finalizar a canção, pois sempre há o desejo de falar algo a mais, nem que seja, novamente, de amor.

Datilogravura: Anderson Balbinot.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Brincadeira (também é nome de música)


Seu Artista: Raul Seixas
Você é um homem ou mulher: Um messias indeciso
Descreva-se: O dorminhoco
Descreva o local onde você vive atualmente: Triste mundo
Se você pudesse ir a qualquer lugar, onde você iria? Sociedade alternativa
Sua forma de transporte preferido: De cabeça pra baixo
Você e seu (sua) melhor amigo(a) são: A geração da luz
Hora do dia favorita: A hora do trem passar
Se sua vida fosse um programa de TV, como seria chamado?  Conversa pra boi dormir
O que é vida para você: Paranóia
Você sorri: Só pra variar
Você chora: No fundo do quintal da escola
Seu medo: As profecias
Seu relacionamento: Quando acabar o maluco sou eu
Qual é o melhor conselho que você tem que dar: Me deixe em paz
Pensamento do Dia: Tente outra vez
Meu Lema: Dá-lhe que dá

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Por que o coelho não bota ovo?


"Bota na conta do Papa"
Capitão Nascimento

Muito antes de ser considerada a festa da ressurreição de Cristo, a Páscoa anunciava o fim do inverno e a chegada da primavera. A Páscoa sempre representou a passagem de um tempo de trevas para outro de luzes, isto muito antes de ser considerada uma das principais festas da cristandade. A palavra “páscoa” – do hebreu “peschad”, em grego “paskha” e latim “pache” - significa “passagem”, uma transição anunciada pelo equinócio de primavera, que no hemisfério norte ocorre a 20 ou 21 de março e, no sul, em 22 ou 23 de setembro.

A páscoa judaica é o nome do sacríficio executado em 14 de Nissan, primeiro mês do calendário judaico (sim, existe outras formas de contagem do tempo. Só a título de informação, estamos no ano de 5773 pelo calendário judaico. Mas isso é outra história) e que precede a Festa dos Pães Ázimos (tipo de pão assado sem fermento, feito somente de farinha de trigo e água). De acordo com a tradição judaico-cristã, o pão ázimo foi feito pelos israelitas antes da fuga do Antigo Egito, por que não houve tempo para esperar até a massa fermentar. Uma lástima.

Continuando, a "Páscoa Judaica” se originou quando os hebreus, há cerca de 3 mil anos, celebraram o êxodo e libertação do seu povo, após 400 anos de cativeiro no Egito, pela mão de Moisés. Comemoravam assim a passagem da escravidão para a libertação: saíram do solo egípcio, ficaram 40 anos no deserto até chegar à região da Palestina, terra prometida, mais precisamente Canaã, atualmente chamada de Israel.

Permita-me uma observação. Esse número 40 aparece toda hora: As águas (nos dias de Noé) cairam por 40 dias e noites (Gênesis 7:4); Israel comeu o maná durante 40 anos (Êxodo 16:35); Moisés esteve com Deus no monte, 40 dias e 40 noites (Êxodo 24:18); Moisés esteve de novo com Deus, 40 dias e 40 noites (Êxodo 34:28) e por aí vai... Aliás, o chamado período quaresmal se estende por quantos dias mesmo? Adiante.

A festa cristã da Páscoa tem origem na festa judaica, mas tem um significado diferente. Enquanto para o Judaísmo, Pessach representa a libertação do povo de Israel no Egito, no Cristianismo a Páscoa representa a morte e ressurreição de Jesus (que supostamente aconteceu na Pessach) e de que a Páscoa Judaica é considerada prefiguração, pois em ambos os casos se celebra uma “libertação do povo de Deus”, a sua passagem da escravidão (do Egito/do pecado) para a liberdade.

De fato, para entender o significado da Páscoa cristã, é necessário voltar para a Idade Média e lembrar dos antigos povos pagãos europeus que, nesta época do ano, homenageavam Ostera, que é a deusa da fertilidade e do renascimento na mitologia anglo-saxã, na mitologia nórdica e mitologia germânica. Na primavera, lebres e ovos coloridos eram os símbolos da fertilidade e renovação à ela associados (lebres e ovos. Hummm....). De seus cultos pagãos originou-se a Páscoa (Easter, em inglês e Ostern em alemão), que foi absorvida e misturada pelas comemorações judaico-cristãs.

Estes antigos povos pagãos comemoravam a chegada da primavera decorando ovos. O próprio costume de decorá-los para dar de presente na Páscoa surgiu na Inglaterra, no século X, durante o reinado de Eduardo I (900-924), o qual tinha o hábito de banhar ovos em ouro e ofertá-los para os seus amigos e aliados. Posteriormente, a igreja católica acabou por substituir às festividades pagãs de Ostara pela Páscoa, não sem absorver muitos de seus costumes, inclusive os ovos e o coelhinho da Páscoa.

No final das contas, a páscoa é mais um rito de povos antigos e pagãos, assimilado pela Igreja Cristã de modo a impor sua influência. Substituindo venerações à natureza (como no caso da Lua ou do Equinócio, tipicamente pagãs) por uma outra figura da mitologia, tomando os siginificados do judaísmo, os símbolos celtas e fenícios, remodelando mediante os Evangelhos e dando uma decoração final, criou-se um ritual de originalidade ímpar, e que tão cedo não desaparecerá. Viva os ovos de chocolate!


Feliz Páscoa!