“A música de um grupo humano é a voz desse grupo e é esse próprio
grupo”.
A. Schaeffner
Minha intenção não era me
aprofundar em nenhum dos tópicos relacionados ao meu último texto, pois a
maioria dos meus fiéis leitores é de origem simples e necessitam de uma
abordagem mais rasa dos temas para uma melhor compreensão. Tampouco era meu
objetivo esgotar as possibilidades de entendimento de uma singela metáfora que,
a princípio, achei interessante, porém demasiada simplista. Visto que esse
assunto rendeu uma repercussão jamais esperada por esse que vos escreve,
resolvi contribuir ainda mais com as reflexões.
Mas primeiro, um pouco de
história...
O grego Pitágoras, seis séculos
antes de Cristo, conseguiu sistematizar estruturas musicais através da
matemática, determinando medidas exatas para se afinar os instrumentos e
organizar escalas musicais. Por isso, a Grécia antiga foi a mãe da teoria
musical como conhecemos hoje. Lá foram desenvolvidas, a partir das sete notas
naturais (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), diversas “escalas” ou modos musicais
que receberam os nomes das regiões da Grécia onde eram mais familiares, por se
adaptarem às suas tradições culturais e estéticas (Jônio, Dórico, Frígio,
Lídio, Eólio). Cada uma destas escalas possuía um sabor harmônico diferente que
evocava diferentes sensações em quem as escutava.
Mais tarde, durante a Idade Média,
a liturgia católica, através do papa Gregório I, adaptou estas formas de
estruração musical e estabeleceu sete modos musicais: Jônio, Dórico, Frígio,
Lídio, Mixolídio, Eólio e Lócrio. Assim, a música litúrgica deste período usava
modos específicos, de acordo com a sensação ou estado mental que se queria
despertar nos fiéis em cada parte de uma cerimônia. Por isso, os modos são conhecidos
também como modos gregorianos (em referência ao Papa Gregório I) e usados no
chamado canto gregoriano. Na música moderna e contemporânea, os Modos Gregos,
ou gregorianos, ainda são amplamente utilizados de uma forma mais livre,
oferecendo várias possibilidades de criação melódica e harmônica para a
composição e improvisação musicais.
Antes de mais nada, é de suma
importância esclarecer uma questão muito importante da teoria musical, que vem
a contribuir com as problemáticas de se comparar a teoria musical com a vida: a
diferença entre música tonal e música modal.
Na música tonal, desenvolvida a partir do século XVI, existe uma
espécie de lógica harmônica, onde a harmonia é pensada a partir de progressões
de acordes que possuem funções estabelecidas: tônica, dominante e subdominante
(primeiras impressões). É como se a música tivesse engrenagens em que um
movimento gera outro movimento conseqüente. Já a música modal é um tipo de música de origem mais primitiva, em que a
harmonia é pensada de forma mais livre ou mesmo aleatória (segundas impressões).
A ênfase da música modal está nas melodias, rítimos e intensidades, e não na
harmonia pensada de forma vertical, como blocos de notas formando acordes. Por
isso, se o contexto é tonal, já pensamos logo em um campo harmônico com o qual
a melodia estará intimamente relacionada, e se o contexto é modal, pensamos em
criar atmosferas e melodias, sem a necessidade de ter progressões harmônicas
dentro das funcionalidades tradicionais do tonalismo.
Concordando com a análise feita por Cedenir Haas a respeito da metáfora que tenta comparar a vida com a música (acesse aqui para ver o texto na íntegra), nota-se
que ela se apresenta um tanto controversa. Não só pelo fato de que na vida nem
sempre respeitamos as devidas consonâncias de um acorde ou de uma harmonia
pré-estabelecida, por nem sabemos ao certo por onde trilhamos nosso caminho, mas
também, sobretudo, porque sabemos que existem outros pontos de vista (culturas)
que agem de acordo com seus próprios sistemas harmônicos.
Como já descrito acima, a metade
ocidental do nosso grandioso planeta trabalha com escalas definidas como modos
gregos. Em todos esses modos e suas variações, observa-se a ocorrência de, no
máximo, 12 notas deferentes (as 7 naturais e mais 5 acidentes), o chamado
sistema temperado, difundido pelo genialíssimo J. S. Bach. Analisando por esse
aspecto, mesmo pressupondo que existam pessoas que vivam na liberdade de uma
harmonia modal, onde experimentam novos caminhos melódicos (sem medo de ser
feliz) em contraponto aquelas que compõem a melodia previsível e deprimente da
harmonia tonal, ambas não se apresentam verdadeiramente livres, pois vivem
presas a um sistema que até pode parecer universal, mas não o é. Quem poderia
imaginar que no oriente, possam existir escalas de até 24 notas diferentes? Do
ponto de vista do sistema musical árabe, por exemplo, a melodia é baseada na
oitava dividida em 24 trimestre-tons, um sistema de difícil assimilação pelas nossas
orelhas acostumadas a Luans Santanas e Michéis Telós.
Essas percepções de repouso,
afastamento, aproximação e tensão que os teóricos definiram no sistema tonal
ocidental são definitivamente uma questão cultural, logo, relativa. Se
tocássemos uma canção qualquer que, aos nossos ouvidos, soa com uma intenção
definida, para uma comunidade nativa ou de algum lugar muito longe, que de tão
longe nem sabemos que exista, e que nunca teve contato com nossa cultura
musical, provavelmente não terão a mesma sensação. E mais provável ainda que
achem aquilo totalmente sem sentido. Diria que isso é uma questão cultural,
antropológica e etnocêntrica.
Pois então quem somos? Onde
estamos? Pra onde vamos? Quem faz a música? Onde está a nossa música? Para onde
ela está nos levando? (eu não sei muito bem). Para finalizar o texto (mas não a reflexão), destaco algumas
definições do conceito de música feitas por teóricos da área. Atentem a elas e
escrevam suas impressões. Afinal de contas, música é vida? E vice-versa? Como
essas frases poderiam ser readaptadas para o conceito vida?
Abraham Moles: “Música é uma reunião de sons que deve ser
percebida como não sendo o resultado do acaso”.
Nicolas Ruwet: “A música é uma linguagem que significa a si
mesma. Não veicula idéias, não define novos conceitos e é incapaz de ser
analisada ou descrita.”
Roland de Candé: “Música é a comunicação de um agregado de
sons organizados, agregado não significante, mas coletivamente interpretável”.
(Mas que texto sério...)